quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O mundo tem mais cor

Ou: uma lente muda tudo!


- E ai Giselle, me conta, o que você tá sentindo? O que você tá achando?
- O mundo tem mais cor.

Foi o que eu respondi ao doutor depois que ele colocou uma lente de 6 graus para miopia no meu olho esquerdo. É verdade que eu ficava imaginando como seria ter os dois olhos funcionando, mas não que a diferença seria realmente assim tão grande. O fato é que eu tenho um caso meio esquisito. Meu olho direito é literalmente direito e funciona incrivelmente bem, a ponto de um médico até me parabenizar por isso. Mas meu olho esquerdo é totalmente desregulado e me proporciona apenas a visão de vultos, luzes e cores embaçadas.

Uso óculos desde criança, mas logo “dei fim” neles porque comecei a usar aparelho nos dentes. Meu círculo de convivência não permitia que uma criança que usasse óculos e aparelho nos dentes fosse feliz, livre de alugações e piadinhas sem graça. Coisas de criança, sabe? Na época, os óculos nem fizeram falta. Um tempo depois de tirar o aparelho, voltei a usar óculos. E aí, a coisa estranha foi detectada. Me consultei com dois médicos e cada um sugeriu algo diferente:

Opção 1, médico X: Usar uma lente de contato, apenas no olho esquerdo, para corrigir a miopia e o astigmatismo.

Opção 2, médico Y: Usar um óculos. No olho esquerdo (o olho que não presta), sem grau nenhum, plano. E no olho direito (o olho bom), um grau de 0,5, já que é o olho que, de fato, uso, portanto, ele acaba ficando sobrecarregado e daí a dor de cabeça.

Fiz o mamãe-mandou e optei pela opção 2. O médico Y argumentou que seria muito difícil eu me acostumar com a lente, pois pro meu caso ela não seria gelatinosa, seria dura, menor que o olho, desconfortável. Eu precisaria de um esforço talvez não muito necessário, já que enxergo muito bem com o olho direito. Até fiz um teste para usar a lente de contato, mas não foi uma experiência muito feliz. Meus olhos despejaram mais lágrimas do que quando eu tive a minha primeira crise-existencial-amorosa e em menos de dois minutos a lente simplesmente se jogou para fora do meu corpo.

Passei dois anos usando óculos. Depois, numa consulta de rotina, para revisão, o grau do olho bom aumentou para 0,75 e o olho ruim continuava ruim. Diz o médico Y que é normal que o grau do olho inicialmente bom aumente com o tempo e coisa e tal... E eu fiquei com a preocupação: o olho bom vai um dia chegar a ser tão ruim quanto o olho ruim?!

Algum tempo se passou e uma dor de cabeça voltou a reinar nos meus dias. Decidi me consultar com um terceiro oftalmologista. Dessa vez, um japinha engraçadinho, novo na cidade. Expliquei o meu caso. Ele me examinou e confirmou o que eu disse:

- É, você tem uma grande diferença de grau entre olho e outro.
- Pois é...

Então, iniciamos uma série de exames. Máquina aqui, máquina acolá, colírio aqui, colírio acolá. O japa examinava, cruzava os braços, colocava a mão no queixo, olhava pra cima e ficava pensativo. E eu continuava com aquele ar de “pois é”.

Andou pra lá, andou pra cá. Até que o japa decidiu! Disse que deveríamos fazer um teste. Abriu uma gaveta, puxou um pacotinho, tirou uma lente e colocou no meu olho. Pisquei, pisquei, pisquei... De repente, o mundo ganhou mais cor, mais luz, contraste! Ele me deu a lente de presente e disse pra usá-la durante três dias e, se a minha vida melhorar, que eu volte lá e encomende uma com grau mais específico. Neste caso, a lente não é tão desconfortável porque corrige apenas parte do problema. Mas muda tudo!

Voltei para casa rindo à toa. Fiquei deslumbrada e até emocionada com tamanha mudança. Quanta coisa eu estava perdendo! Mas, como alegria de pobre dura pouco, estava eu vendo Tv, deitada na cama, tão tranqüila, feliz e confortável que até esqueci que usava uma lente. Cocei o olho e, imediatamente, o mundo perdeu o brilho. A lente tinha escapulido, catei, caiu, catei novamente, caiu, embolou na cama, catei, mas dessa vez, ela me voltou toda dobrada, embuluada, miúda. Molhei, tentei consertar, colocar de volta, mas nem...

Diz a minha mãe que pareço ter ficado com o olho maior que o outro. Mas esse seria o menor dos problemas. Aliás, eu disse a ela, eu sempre achei mesmo que tinha um olho maior que o outro, sempre me achei meio vesga, sei lá, mas é o tipo da coisa que eu sei que ninguém nunca vai me confirmar. Mas pelo menos agora eu sei que o mundo tem mais cor do que eu imaginava. E isso é uma coisa que só eu pra concluir comigo mesma, afinal, ninguém nunca iria me dizer isso também.