(pro longe do bem perto)Viveu um dia triste. Como num final de um mini-romance que não tem final feliz. Os olhares nem se despediram e partiram por caminhos oposto. Bianca viveu e tenta sobreviver. Estava com os olhos pintados, cabelo escovado e brilho nos lábios, por isso, deve ter chamado a atenção dele. Ele – desconhecido, portanto ainda sem nome - de pouco sorriso e olhar discreto, deveria passar despercebido se não fosse o tom misterioso e o livro que carregava em mãos.
Subiram no mesmo ônibus e sentaram em extremidades exatamente opostas. Ela tentava decifrar algum reflexo. Ele, de cabeça baixa, lia o livro e vez e outra levantava o olhar fitando tudo à sua volta.
Era uma das raras noites em que Bianca voltava pra casa sozinha e de ônibus. Gostava do andar solitário nas ruas escuras. Quando se está só, se está como se realmente está. Medo ela tinha sim, mas queria testar o seu humor. Queria testar o seu olhar quanto às constelações e se ainda sabia como contar as cores no céu.
Às vezes, ela vem de sorriso solto, vendo aviões e até estrelas cadentes (quem vai dizer que nunca viu?). Em outras ocasiões, vem saltitante e cantando sambinhas do Chico. Mas também há aquelas noites em que ela vem de passo desconsolado e dor no queixo – pela mania de prender o choro.
Bianca também olha as vitrines e deseja saltos de gala. Não que ela seja uma pessoa assim, de consumismo exagerado ou que siga as últimas tendências da moda. Mas ela gosta de sonhar e fazer pose na frente do espelho – mas só na frente do espelho.
Ela ainda pode voltar chutando pedrinhas e se assustando com os vigias noturnos. Ao chegar à sua casa, ela toma uma decisão. E naquela noite, ela sentiu e compreendeu algo do seu inconsciente e que, portanto, passou a ser consciente. Algo que tinha haver com se preparar para ter que esquecer. E por isso, seguia de olhar caído.
Inicialmente, o jovem leitor que encontrara parecia com um tal artista de rua, de costeletas bem delineadas e charmosinhas. Ela olhou e olhou mais uma vez, porque não reconheceu costeleta nenhuma e porque não era o artista de rua. Era um outro qualquer. Sabe-se lá se artista ou não.
E os dois desceram exatamente na mesma parada. Bianca achou engraçada a coincidência e até esperou alguma surpresa a mais, pois achava que já conhecia muito bem aquela vizinhança. Ela reparou e ainda lembra cada segundo das suspeitas e descobertas: o inclinar dos corpos para olhar as ruas e reconhecer que estavam próximos a chegar; e preparo das mãos para puxar a cordinha; o andar até a saída - depois de ter a certeza que a descida era mesmo ali, e tudo, tudo, tudo, mais...
Sorte ou azar, mas alguém não planejou bem. Bianca não entendia os papeis de ninguém: nem do perseguidor nem da perseguida. Ele, meio estranho, ficou em dúvida se olhava pra trás – o que ela torcia pra acontecer. Ela teve a oportunidade de voltar os olhos e ele, de voltar o passo. Mas era noite escura e apesar de silenciosa, nada mais podia acontecer, a não ser a travessura de uma carta anônima, escrita às avessas e meio inventada.