quinta-feira, 27 de março de 2008

Como uma bailarina numa caixinha de música

Sei dizer não. E isso não me preocupa tanto. Não saber explicar, não entender. É quase monótono de tão comum. Mas dá raiva sim. Faz as pernas tremerem e o coração bater mais rápido. E a raiva não é do ser, é do sentir. Eu poderia oferecer um abraço e um silêncio que traduzisse algumas palavras humildes e de consolo. “A vida é assim”, “eu não fiz por mal”, “não me ache uma pessoa má”. Queria até oferecer os meus ouvidos ao sofrimento, à perturbação que eu não sei bem se existem mesmo. Queria confortar. E assim, seria bem confortada. Saber que está tudo bem. Eu não consigo falar em feiúra, alívios, posso falar em arrependimentos. Sei lá. Talvez, eu não deva ter seguido a receita direito. Talvez tenha esquecido alguns ingredientes, então, me sobre um doce adocicado demais.

E assim eu fico com uma vontade de tapar tudo com uma cortina preta. Preta por fora. Quase como luto. Mas, por dentro, amarela, com grandes flores alaranjadas, umas menores de tonalidades verde-escuras, e umas médias rosa-marfim. E então o meu ar vai ser só meu. O que me trazia um indício sequer de algo negativo ou duvidoso, eu abandonei e desapareceu. Da minha mente, da minha memória, da minha vida. Quando se está só, o vazio fica mais próximo. Como o neutro. E aí fica tudo mais claro. Objetivo. Determinado. Livre. Contraditório né? Aponto o dedo para eu mesma, por tantas vezes não levar a sério essa brincadeira de esconder meus olhos entre as entrelinhas e conseguir mudá-los de cor.

terça-feira, 18 de março de 2008

Caras e Caretas. Máscaras e Caricaturas




“e o caos segue em frente, com toda a calma do mundo” (R.R)






O coração dispara meio arrependido. Os cabelos deveriam sair da nuca mais facilmente. Queria sentir a lisura. Reluzente. Como um raio de sol forte, daqueles que colorem o fim de tarde. Ah, essas cores... Azuis e desbotadas. A lua que me aparece nem de porcelana é. Um plástico barato, de uns poucos centavos. Minha luz se apaga e ela brilha. Não é de São Jorge nem de qualquer outro santo. Eu não entendo nada de santos, mas já carreguei no pulso correntinha da Nossa Senhora Desatadora de Nós. Os altares não cabem na minha janela, nem olho mais. Medo de me afogar. Não quero mais falar de decisões. Bianca vem aí para ser a terceira pessoa, quase gêmea da primeira, assim, como o signo de gêmeos que é quase dois ou quatro opostos. São caras e caretas, máscaras e caricaturas.


“... tudo o que não me interessa agora eu jogo fora, e se vai, como o Sol, que se esconde ou se espalha, que aquece ou atrapalha, que derrete ou agasalha...” (L.P)


A luz é escorregadia e pisca de forma assistemática. Não é questão de falta de coragem. É outra, são outras personalidades. Uma pesa pouco mais de 10 quilos. Outra, beira os 70. No travesseiro, formigas fazem festa. É real e normal. Será que eu posso ouvir? Alguém chama pelo meu nome, mas estou vazia e com corpo frio. Meu nome vai e eu fico aqui. Joelhos e ombros desalinhados beiram alguma coisa que ninguém quer saber. Abri as cortinas por engano, e o sol que entrou, entrou rápido e forte demais. Me senti cega e com os olhos quase secos e me chamei de volta. Volta. Volta. Fiquei atrás da porta. Não em busca, mas parada ali. O nome foi para o chão e os pés se apoiaram na parede – cor de rosa, como um ex-mundo. O corpo cabia, frágil, naquele pequeno corredor ante-quarto. Acima, um quadro preto e branco, feito a lápis há 10 ou 14 anos. Não era espelho. Era um retrato feito por um alguém qualquer numa madrugada já cheia de sono. Estava quase sonhando e levantei o rosto num susto para fazer pose. Tudo foi congelado num sincero sorriso falso. E quem diria... Quem diria que se sentiria tão velha e teria vontade de ter força e quebrar, silenciosamente, aquele vidro, rasgar aquele papel e fazer mágica. Fazer mágica. Mágicas mentiras vistas com glamour. O glamour existia e as mágicas também. E tudo isso agora é apenas um ar rarefeito. Bem mal-feito. E então? Quais segredos serão deixados agora no baú de frases soltas? Quais segredos serão amigos e me farão conhecer como sou, fui e serei? E agora? Patética mania de acreditar. Continuar a matança para ser feliz. Desviando o ego pro rumo da ignorância.


Foto: mais uma do Parque Capitão Ciríaco

quinta-feira, 13 de março de 2008

Bianca vai de ônibus

(pro longe do bem perto)

Viveu um dia triste. Como num final de um mini-romance que não tem final feliz. Os olhares nem se despediram e partiram por caminhos oposto. Bianca viveu e tenta sobreviver. Estava com os olhos pintados, cabelo escovado e brilho nos lábios, por isso, deve ter chamado a atenção dele. Ele – desconhecido, portanto ainda sem nome - de pouco sorriso e olhar discreto, deveria passar despercebido se não fosse o tom misterioso e o livro que carregava em mãos.

Subiram no mesmo ônibus e sentaram em extremidades exatamente opostas. Ela tentava decifrar algum reflexo. Ele, de cabeça baixa, lia o livro e vez e outra levantava o olhar fitando tudo à sua volta.

Era uma das raras noites em que Bianca voltava pra casa sozinha e de ônibus. Gostava do andar solitário nas ruas escuras. Quando se está só, se está como se realmente está. Medo ela tinha sim, mas queria testar o seu humor. Queria testar o seu olhar quanto às constelações e se ainda sabia como contar as cores no céu.

Às vezes, ela vem de sorriso solto, vendo aviões e até estrelas cadentes (quem vai dizer que nunca viu?). Em outras ocasiões, vem saltitante e cantando sambinhas do Chico. Mas também há aquelas noites em que ela vem de passo desconsolado e dor no queixo – pela mania de prender o choro.

Bianca também olha as vitrines e deseja saltos de gala. Não que ela seja uma pessoa assim, de consumismo exagerado ou que siga as últimas tendências da moda. Mas ela gosta de sonhar e fazer pose na frente do espelho – mas só na frente do espelho.

Ela ainda pode voltar chutando pedrinhas e se assustando com os vigias noturnos. Ao chegar à sua casa, ela toma uma decisão. E naquela noite, ela sentiu e compreendeu algo do seu inconsciente e que, portanto, passou a ser consciente. Algo que tinha haver com se preparar para ter que esquecer. E por isso, seguia de olhar caído.

Inicialmente, o jovem leitor que encontrara parecia com um tal artista de rua, de costeletas bem delineadas e charmosinhas. Ela olhou e olhou mais uma vez, porque não reconheceu costeleta nenhuma e porque não era o artista de rua. Era um outro qualquer. Sabe-se lá se artista ou não.

E os dois desceram exatamente na mesma parada. Bianca achou engraçada a coincidência e até esperou alguma surpresa a mais, pois achava que já conhecia muito bem aquela vizinhança. Ela reparou e ainda lembra cada segundo das suspeitas e descobertas: o inclinar dos corpos para olhar as ruas e reconhecer que estavam próximos a chegar; e preparo das mãos para puxar a cordinha; o andar até a saída - depois de ter a certeza que a descida era mesmo ali, e tudo, tudo, tudo, mais...

Sorte ou azar, mas alguém não planejou bem. Bianca não entendia os papeis de ninguém: nem do perseguidor nem da perseguida. Ele, meio estranho, ficou em dúvida se olhava pra trás – o que ela torcia pra acontecer. Ela teve a oportunidade de voltar os olhos e ele, de voltar o passo. Mas era noite escura e apesar de silenciosa, nada mais podia acontecer, a não ser a travessura de uma carta anônima, escrita às avessas e meio inventada.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Mudanças

São necessárias


Afinal, fazem parte da vida

Falem em contradições. Se a natureza pode, por que não nós?

*Ao amor, hoje, em especial.
(“As folhas que caem avisam a chuva que está por vir...”)

*Fotos: de volta ao trabalho, Parque Capitão Ciríaco

quarta-feira, 5 de março de 2008

Brinco sem par, relógio parado e Bianca aparece

Troquei a bateria do relógio. Quantos dias eu passei por ele e vi que estava parado e fingi não perceber nada? Amanheceu o dia e eu levantei decidida. Tirei a poeira e arrumei os ponteiros. Reloginho bonitinho, afinal.

Também arrumei o potinho de brincos. Definitivamente eu gosto mesmo de estrelas e corações, assim como gosto da sensação de me livrar das coisas velhas e ter mais espaços para as novas. Faz tempo, tirei o mural do quarto (a melhor coisa que fiz contra a nostalgia crônica). E então ganhei uma parede lisa, branca, onde o sol pode se apoiar tranquilo quando entrar pela janela.

Mas também gosto de saber que meus brinquedinhos estão ali em cima do guarda-roupa, bem conservados, para o dia que eu quiser voltar... Assim como as roupas do espetáculo de dança e até mesmo aquelas sapatilhas que eu nunca usei esperando o momento especial (é, eu também já caí nessa). Delas eu não tenho coragem de me desfazer para ter mais espaço para o novo. Deixo-as lá, intactas. Nunca viram palcos e nem luzes e flashes; de brilho, talvez só o dos meus olhos de quando eu abri o pacote...

Aliás, de novidade aqui, só mesmo Bianca. O relógio já parou novamente. A poeira já desceu outra vez sob as bonecas de porcelana. E o potinho já guarda mais e mais brincos velhos e sem pares (tem coisa mais triste do que brinco sem par? Não é à toa que, os desse tipo, são chamados de “solitária”. Mas esse nome me lembra alguma coisa nojenta que eu estudei no ensino médio, eca!). Mas a Bianca me chama, e já me faz sonhar além daquelas horas do relógio parado.

No som toca No Doubt. Mas nem sei se é isso mesmo porque eu escuto as músicas aqui achando que é uma coisa, mas aí vem alguém e se refere à canção como sendo de outro grupo e então eu percebo que, mais uma vez, baixei MP3 com nome errado. Mas eu não ligo não. Só quero ouvir e curtir um pouquinho.

Mas a Bianca me chama. Ela nem nasceu direito, mas já me faz raiva. Sei lá, perturba demais. Como se trouxesse em si umas cordas para eu atar nós. Bianca, se não sumir ou maneirar nas suas aparições, vai morrer antes mesmo de qualquer [outra] história.